Ana Terra Yawalapiti é indígena, filha do cacique Pirakumã Yawalipiti, (falecido em 2015), nascida na aldeia Yawalapiti localiza no alto Xingu (Mato Grosso).
Na época da sua infância havia no centro da sua aldeia a “casa dos homens”, onde somente os homens se reuniam para conversar, tomar decisões e as mulheres não podiam entrar nesse espaço. Nessa casa, eram guardados objetos sagrados que não podiam receber os olhares das mulheres. Ana Terra era muito curiosa e passou a sua infância inteira entretida com a “casa dos homens” e se arriscou várias vezes de expiar o que havia dentro dela.
Carregou em toda a sua infância a indagação: se há espaço para os homens por que não pode ter um espaço somente para as mulheres? Cresceu e na sua fase adulta, em 2013, liderou a ideia de criação de um espaço em que as mulheres podiam se reunir para compartilhar saberes, pois havia muitas indígenas que não sabiam mais fazer o artesanato, as redes, as cerâmicas tradicionais do seu povo, ou seja, havia um desinteresse e o risco de se perder uma parte da cultura.
Primeiramente a ideia da Ana Terra foi rejeitada pela maioria dos homens porque não viam propósito nela, achavam que seria uma espécie de rebelião. Seu pai a ouviu e tempos depois apoiou a filha. Três anos depois da sua idealização, com apoio e trabalho de outras mulheres, foi inaugurada a “Casa das mulheres”. Um espaço que resgatou a cultura da aldeia e que promoveu o encontro e aprendizagens entre várias gerações (adultos, jovens e crianças).
Atualmente Ana Terra é uma liderança no Xingu e defensora do patrimônio cultural dos povos indígenas.
Filha do chefe Pirakumã Yawalapiti, que faleceu em 2016 e é lembrado como uma das prestigiosas lideranças do Parque Indígena do Xingu (TIX), Anna Terra repetiu, inconscientemente, o gesto de seu pai durante a Mobilização Nacional Indígena de 2013, clicado pelo fotógrafo André D’Elia.
Neste depoimento sobre a fotografia de Pirakumã, ela conta o que viveu em 2013, quando o líder pedia calma aos policiais após ter sido agredido com cassetetes e spray de pimenta, revela o que a moveu na direção dos policiais na mobilização de 2017 e explica a importância do diálogo para a política xinguana.
Fonte: LIVRO DAS MULHERES EXTRAORDINÁRIAS – 5ºD by ECC – Escola Comunitária de Campinas
A única arma que eu tenho é a minha boca” por Anna Terra Yawalapiti
A gente sempre foi parceiro em todos os lugares: na cidade, na aldeia. Eu estou nessa por causa dele; ele que me puxou por esse caminho. Aqui foi o dia que ele levou também spray de pimenta, mas ele era muito guerreiro, ele não fugiu. Ele levou spray, mas ficou ali. E essa imagem, ela… penso nesse dia… Ali deixou de ser somente pai para mim. A partir dali, comecei a ver ele como meu guerreiro, meu protetor, meu cacique. O nosso embaixador do Xingu.
Eu estava junto, porque se for para ele morrer, eu também vou morrer junto do meu pai. Eu não vou fugir e deixar ele sozinho. Uma vez, também, aconteceu na aldeia que nossa casa pegou fogo e ele foi salvando as coisas. Ele queria ser o último, a última pessoa a sair. Eu fiquei com ele e ele me mandava embora: ‘Vai embora, vai embora!’. E eu: ‘Não pai, eu vou ficar aqui. Só vou embora se você sair’. Quando ele viu que a casa estava desabando e que eu não ia embora, ele saiu. Mas a gente sempre foi companheiro. Quando ele era vivo, sempre fomos. Essa imagem marcou muito para a gente, para a família, até agora. A gente tem esse banner até hoje, e com ele que eu carrego toda a esperança. Eu sinto que ele está comigo através desse banner.
Essa imagem pra mim significa a força indígena: a gente nunca vai desistir. Que nem ontem… Eu fui, não porque eu queria aparecer. Se for pra morrer, eu vou. Quando eu percebi que uma das meninas do nosso grupo não tinha voltado do local, a responsabilidade estava na minha mão e eu voltei. Foi um momento tão rápido, que eu não estava com aquela ideia de ir lá e parar aquilo. Aquilo tudo veio do desespero de pensar que uma das meninas do nosso grupo estava ali. Ou estava na água, ou então tinha sido levada para dentro. Assim aconteceu. Quando vi, já estava ali conversando com eles. Nem parei pra pensar que eles poderiam jogar gás de pimenta, bomba, sei lá… [fazer] qualquer coisa comigo. Não parei. Eu só fui chegando, fui gritando, pedindo para eles pararem. Quando fui ver eu já tava lá.
Nós, os povos do Alto Xingu, entre nós, não temos essa cultura de guerrear. Somos nove etnias. A nossa governança sempre foi através de diálogo. A gente nunca anda com arco e flecha, com faca… a gente não faz isso. A gente vai na mata, assim, só se for para caçar. Se for para pegar algum remédio, a gente leva um facão só para tirar um remedinho mesmo. Mas a gente nunca andou armado, nem nada disso. Então, a gente geralmente usa só o diálogo para poder resolver as coisas.
Ele e o Raoni [Metuktire] sempre fizeram um diálogo com policiais, com autoridades, para permitirem que todos os índios entrassem naquele local. Então, é o que eu usei também. Eu falei: ‘A única arma que eu tenho é a minha boca’. Agora… a gente já teve vários diálogos com eles. Até nós, que somos mansinhos, também já estamos começando a ficar com raiva. Então, se for pra gente guerrear, a gente não vai desistir não! Não é uma pimentinha no olho que vai fazer a gente desistir”.
O depoimento acima é parte da série “Uma foto, uma história” e foi registrado em 2017 durante o 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), por Letícia Leite, Mario Brunoro e Rafael Monteiro Tannus.
Fonte: Uma foto, uma história/Anna Terra Yawalapiti – Povos Indígenas no Brasil
Em 2017, ela se tornou um dos principais símbolos da mobilização indígena ao ser fotografada, de braços abertos, em frente de uma tropa formada por seguranças do Congresso (e que se intitula “polícia legislativa”), durante um dos protestos contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que previa transferir ao Legislativo a responsabilidade de demarcar terras indígenas.
Compartilhada ao redor do mundo, a imagem do fotógrafo Matheus Alves, feita durante o 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília, foi vencedora do prêmio “Combater os Retrocessos: Existir e Resistir à Retirada de Direitos”, promovido pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, e contribuiu para frear a tramitação do projeto, impondo à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) sua principal derrota política desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016.
A fotografia de Anna repetiu outra imagem icônica de seu pai, Pirakumã Yawalapiti, irmão de Aritana que, em 2013, também se colocou à frente de um cordão policial durante manifestação das Jornadas de Junho, em frente do Congresso. Falecido em 2015, vítima de um infarto, Pirakumã foi um dos principais líderes do Xingu e, com admirável capacidade diplomática, conseguiu articular pacificamente as 16 etnias reunidas no Parque do Xingu, do qual foi diretor entre 1999 e 2002.
Medicina da Floresta e PintuTerapia Corporal – por Naime Silva
Anna Terra Yawalapiti traz como medicina da floresta e tradição das mulheres do Alto Xingu, e em conjunto com sua comitiva de mulheres xinguanas, o canto feminino indígena como um rezo, um embalo que vai levando aquele que se submete a essa cura , e a pintura sagrada do jenipapo e do urucum.
Enquanto as mulheres indígenas cantam e Anna Terra pinta, você poderá receber a comunicação dos “Encantados da Floresta” que conduzem suas mãos a pintura de grafismos.
Esses grafismos ( marcas e desenhos) carregam a força da fauna ( bichos) e flora( plantas, árvores, floresta) fazendo com que essa pintura ritualizada traga essa força para seu corpo, além dos benefícios medicinais do jenipapo e urucum para você e seu corpo que é considerado no ritual como integral, belo e sagrado.
Os encantados então, conduzem o rezo e as mãos das indígenas que pintam no corpo da pessoa que recebe os grafismos, uma mensagem simbólica de cura para o receptor da medicina.
O canto da comitiva é realizado nas costas do receptor, durante a pintura corporal, trabalhando suas sombras e após a pintura, a pessoa que recebe a terapia da floresta das mulheres xinguanas, é adornado com as joias sagradas feitas por elas, que convidam ao último ritual de dança, canto e transe, que encerram as bençãos dessas rezadeiras e curandeiras, ritual tão esquecido na nossa cultura brasileira que muitas/os de nos vimos nossas ancestrais fazerem, as quais também seguiam as tradições indígenas em outros tempos.
Um pouco mais sobre o Jenipapo e Urucum
Pintura com a tintura de jenipapo
A tonalidade retinta é parte do nascimento dos originários e perdura durante toda a existência e resistência. É um fruto forte, cheio de significados presentes em todos os rituais, também é produto de beleza, retirado da natureza. O jenipapo ao ser apanhado das árvores é extraído um líquido que dá formas aos desenhos que definem a identidade de cada povo, e também, de cada momento, existe a pintura da celebração, da luta, da tristeza e da revolta. A pintura indígena não é rabisco, não é tatuagem, não é sujeira, não é falta de certeza, a pintura significa afirmação da identidade de pessoas que vivem a verdadeira história da humanidade nos detalhes da vestimenta que forma no corpo com a pintura do jenipapo.
O jenipapo é sagrado e está presente em todos os rituais e lutas do povo, “o jenipapo está presente em todos os rituais, é sempre escolhido um desenho para cada ritual, para a festa das crianças escolhemos a borboleta, porque assim todos ficam com uma pintura igual, e deixa a festa mais bonita”. Explicou Nhoque, indígena Tembé, que estava participando da festa das crianças da aldeia Ytaputir, do povo Tembé, nos dias 23 e 24 de maio de 2021.
O jenipapo vem da árvore jenipapeira que nasce sozinho na floresta, dizem quem já tentou plantar que ele não nasce pois tem vontade própria e surge onde acha que precisam dele. Carrega o significado de “fruta que serve para pintar”. Pois o sumo do fruto verde, libera uma tinta que é usada pelos originários, há quem use para fazer artesanatos, pinturas de paredes, cerâmica e outros. Conhecido e utilizado por diversas etnias da América do Sul como pintura corporal, o fruto tem grande importância na vida dos originários, que ficam com tintura no corpo por aproximadamente duas semanas a depender do organismo.
Fonte: https://www.nicetupinamba.com/post/o-jenipapo-%C3%A9-a-roupa-da-ancestralidade-que-veste-o-corpo-e-o-esp%C3%ADrito acessada em 02/11/23.
Urucum – por Naime Silva
O urucum além de representar os a beleza dos grafismos da cultura indígena que simbolizam a nossa fauna e flora da floresta brasileira, também representam o sangue indígena e sua resistência de luta em defesa da Floresta, da sua cultura e no caso das mulheres, de sua afirmação pela igualdade entre mulheres e homens indígenas, para andarem lado a lado na luta pela preservação da floresta , das culturas dos povos indígenas e pela resistência necessária a sobrevivência dos povos originários.
Por dentro da luta indígena para salvar a floresta amazônica
No dia 19 de agosto de 2019, espessas nuvens negras cobriram a cidade de São Paulo em uma escuridão apocalíptica. O céu negro de São Paulo foi resultado da floresta amazônica devastada por dezenas de milhares de incêndios. O número de incêndios florestais no Brasil cresceu 70% desde janeiro passado em relação ao mesmo período do ano passado. A floresta tropical mais atingida, vários governos locais brasileiros também declararam estado de emergência, além de todos os voos serem desviados. A nuvem de fumaça avançou para o continente sul-americano, alimentada também pelos incêndios florestais na Bolívia e no Paraguai, atingindo partes do Sul do Brasil, Norte da Argentina e Uruguai. Está comprovado que todos os focos de incêndio na Amazônia são causados pela atividade humana, principalmente devido ao desmatamento em prol da agricultura corporativa.
Embora o inverno seja a época do ano mais favorável para a propagação de incêndios no Brasil devido ao clima mais seco, no caso da Amazônia não existe um processo natural que possa causar incêndios florestais. Isso significa que todos os focos de incêndio na Amazônia são causados pela atividade humana, principalmente devido ao desmatamento para fins agrícolas. Por outras palavras: o pico da desflorestação está agora a ser seguido por um pico de incêndios florestais. Assim, a explosão de ocorrências de incêndios florestais na Amazônia está diretamente associada à intensificação do desmatamento na região.
Na floresta amazônica, aproximadamente o tamanho de um campo de futebol está sendo desmatado a cada minuto , de acordo com dados de satélite. Até agora, isso leva a um total de 315.686 campos de futebol . Apesar dos recentes sistemas de alerta rápido de incêndios implementados, o presidente Jair Bolsonaro não só culpa os grupos ambientalistas por provocarem incêndios, ao mesmo tempo que minimiza os seus riscos, como também tenta persistentemente o Ministério da FarDesDeming – que aumenta a produção agro-industrial, as práticas destrutivas de mineração e exploração madeireira, e está sob o controle firme dos lobistas – para assumir o controle da Amazônia.
Sendo a maior floresta tropical do mundo, a região amazónica de 6,7 milhões de quilómetros quadrados desempenha um papel crucial na absorção das emissões de dióxido de carbono e na estabilização das temperaturas. Se destruído, seria incrivelmente difícil limitar o aquecimento global e salvar o planeta. Grande parte da floresta remanescente já pertence, inclusive, aos povos indígenas do Brasil. Eles detêm 13% da área territorial do Brasil. Mas à medida que aumenta o apetite pela destruição, a situação desencadeou tensões e, em alguns casos, violência , entre as populações indígenas do Brasil e os grileiros de terras, que acreditam ter o apoio tácito da administração de Bolsonaro.
As mulheres e raparigas indígenas – que desempenham cada vez mais papéis desproporcionados como líderes, gestoras florestais e provedoras económicas – têm ainda menos probabilidades de terem direitos reconhecidos. É por isso que em Agosto, pela primeira vez, dezenas de milhares deles saíram às ruas da capital do Brasil, Brasília, durante dias, para denunciar as políticas “genocidas” de Bolsonaro. Com o tema “Território: Nosso corpo, nosso Espírito”, eles pediram unidade e visibilidade em sua força e em seu papel crítico como defensores dos direitos humanos e salvaguardas das terras e florestas do mundo. Eles deixaram claro que as mulheres são as mais afetadas pelo agronegócio, pelas mudanças climáticas, pelo sexismo e pelo racismo.
Mulheres artesãs do Alto Xingu – por Naime Silva
Anna Terra Yawalapiti e as mulheres do alto xingu, com suas mãos encantadas, constroem várias peças que chamamos de joias 💎 do Alto Xingu que são: cestarias, redes de descanso e adornos corporais entre outras artes. Essas Jóias Sagradas do Alto Xingu compõem o belíssimo acervo cultural desses povos e essas peças tem um lugar reservado na Anima Augusta, onde você pode apreciar e comprar para colaborar com esse trabalho das mulheres do alto Xingu, coordenados aqui na Anima Augusta, por Anna Terra Yawalapiti e Naime Silva.